E lembrei-me dela por ter lido o ano passado o seu primeiro livro de ficção - Odília ou a História das Musas Confusas do Cérebro.
Confusos? Pois ... diferente é de certeza, agora confuso é que não é. Só vos digo que se gostam de livros diferentes escritos de forma diferente, este é um deles.
Algumas coisas acontecem porque nós queremos que
elas aconteçam, outras não. Por exemplo, cair não é uma coisa que se quer que
aconteça, mas cair e conhecer alguém pode ser. Cai-se porque se quer e porque
não se quer, mas cair é igual, acontece sempre. E acontecer sempre é uma
segurança, mesmo quando não fazemos qualquer ideia do que se passa, connosco ou
à nossa volta, estamos sempre a acontecer, e isso parece-me bem, parece-me
estável. E decidirmos deixar de acontecer não é nada fácil porque há imensa
coisa que tem de se desfazer para se deixar de acontecer: deixar de respirar,
deixar de comer, deixar de dormir, deixar de ouvir, deixar de ver, deixar de
falar, deixar de conhecer, deixar de gostar, deixar de começar, deixar de
pensar, deixar de convidar, deixar de acabar. Deixar não é nada fácil, é como
acontecer, por vezes deixa-se porque se quer, por vezes é sem querer, mas
deixa-se… Umas vezes faz pena, outras não, outras nem se dá por isso e só muito
mais tarde é que percebemos que deixámos… É como falar, nem sempre se diz o que
se quer, nem tudo o que se quer falar é exactamente aquilo que se diz ou que se
quer dizer, nem sempre tudo o que se está a dizer é exactamente aquilo sobre o
que queremos falar… É como cair. Cair não é uma coisa que se quer que aconteça,
mas cair e conhecer alguém pode ser. Cai-se porque se quer e porque não se quer,
mas cair é igual, acontece sempre. (…) (pp. 9-10)
Patrícia Portela, cresceu em Lisboa, Macau, Utrecht, Helsínquia. Trabalha em teatro, dança e cinema. Quase sempre nos bastidores. Vive entre Paço de Arcos e Utrecht.”
Conhecida (e reconhecida, nomeadamente com uma Menção Honrosa Prémio Acarte com o espectáculo WasteBand - 2003 e a Menção Especial do prémio da crítica pela Associação Portuguesa de Críticos de Teatro para a Dramaturgia da Trilogia Flatland) pelo seu trabalho na área do espectáculo.
Com minúscula, odília representa a classe das musas desempregadas e confusas; com maiúscula, é uma específica musa desempregada e confusa que procura, como qualquer ser mortal e normal, o seu lugar no mundo. E conquistar o nosso lugar no mundo é uma coisa difícil! Implica a existência de amigos (Penélope), de amores (obviamente, um poeta), de intrigas (os deuses descobrem que criaram tudo mas não criaram as musas e por isso resolvem roubar-lhes os sentidos), de reflexão (Odília esteve 1003 anos a pensar no seu destino), de coragem (como ultrapassar a teia labiríntica do quotidiano, quando se sofre de labirintite?)… E tudo acontece em simultâneo (ou será antes? ou será depois?) porque nas questões da existência, o tempo é um grande novelo que se enrola e desenrola sem nunca deixar de ser uma bola que entra numa baliza e, em simultâneo (ou será antes? ou depois?) ao grito: Gooooooooooooooooooolllllllllllllllllllllooo!
Alguns vão gostar, outros ... não!
Kat
3 comentários:
Hum...cheira-me bem, este livro :)
Já o vou adicionar à minha listita...
"É como falar, nem sempre se diz o que se quer, nem tudo o que se quer falar é exactamente aquilo que se diz ou que se quer dizer, nem sempre tudo o que se está a dizer é exactamente aquilo sobre o
que queremos falar…" - frase a guardar!
Vou à FNAC...tentar.
Mas pela narrativa sinopse da sua pena, respira-se uma salutar brisa de novidade...coisa arredada dos tempos actuais, onde a lógica é madrasta da liberdade de pensar.
Maus credos, neste mundo de pensadores dos pensamentos alheios...
Um abraço bem amigo.
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